terça-feira, 25 de janeiro de 2011

No mistério do sem-fim

                                                           


No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta


"Cecília Meireles"


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Na casa defronte de mim e dos meus sonhos



Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!

Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não são eu.

As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.

As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.

Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta –
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.

Que grande felicidade não ser eu!

Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para os crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.

Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.

Nada? não sei...
Um nada que dói...

"Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)"

domingo, 16 de janeiro de 2011

"Pássaro que levante o céu"


Neste espaço a si próprio condenado
Dum momento para o outro pode entrar
Um pássaro que levante o céu
E sustente o olhar
....................................
Com a tristeza acender a alegria
Com a miséria atear a felicidade
E no céu inocente da visão
Fazer pulsar um pássaro por vir
Fazer voar um novo coração

"Alexandre O'Neill"

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"Absorto"


Eis-me em mim absorto
Sem o conhecer
Bóio no mar morto
Do meu próprio ser.


Sinto-me pesar
No meu sentir-me água...
Eis-me a balancear
Minha vida-mágoa.


Barco sem ter velas...
e quilha virada...
O céu com estrelas
É frio como espada.


E eu sou vento e céu...
Sou o barco e o mar...
Só que não sou eu...
Quero-o ignorar.

"Fernando Pessoa"