quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Onda


Onda que, enrolada, tornas,
Pequena, ao mar que te trouxe
E ao recuar te transtornas
Como se o mar nada fosse,

Porque é que levas contigo
Só a tua cessação,
E, ao voltar ao mar antigo,
Não levas meu coração?

Há tanto tempo que o tenho
Que me pesa de o sentir.
Leva-o no som sem tamanho
Com que te ouço fugir!

"Fernando Pessoa"

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Amanhecer



sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei-de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo –
Ah, nada é isto, nada é assim!)

"Fernando Pessoa"

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mudam-se os tempos...


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.


"Luis de Camões"

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

domingo, 4 de dezembro de 2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"A arte de ser feliz"


Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirandocom a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era umaespécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava paraas plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedosmagros e meu coração ficava completamente feliz.Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezesencontro nuvens espessas. Avistocrianças que vão para a escola. Pardais quepulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar,cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existemdiante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender aolhar, para poder vê-las assim.
"Cecília Meireles"

domingo, 27 de novembro de 2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

terça-feira, 15 de novembro de 2011

"No entardecer da terra"


No entardecer da terra
O sopro do longo Outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.

Soergue as folhas, e pousa
As folhas, e volve, e revolve,
E esvai-se inda outra vez.
Mas a folha não repousa,
E o vento lívido volve
E expira na lividez.

Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E até do que hoje sou
Amanhã direi, quem dera
Volver a sê-lo!... Mais frio
O vento vago voltou.

"Fernando Pessoa"

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"Do vale à montanha"


Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados.
Por quinta e por fonte,
Caminhais aliados.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.

"Fernando Pessoa" (Excerto)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

sábado, 5 de novembro de 2011

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

terça-feira, 1 de novembro de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

sábado, 22 de outubro de 2011

Gato




Que fazes por aqui, ó gato?
Que ambiguidade vens explorar?
Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pelo, frio no olhar!
De que obscura força és a morada?
Qual o crime de que foste testemunha?
Que deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?
Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?

"Alexandre O`Neill"

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Rio que tudo arrasta

 

                                                       "Bertold Brecht"

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

"Canção de Outono"



Perdoa-me, folha seca, não posso cuidar de ti. Vim para amar neste mundo, e até do amor me perdi. De que serviu tecer flores pelas areias do chão, se havia gente dormindo sobre o própro coração? E não pude levantá-la! Choro pelo que não fiz. E pela minha fraqueza é que sou triste e infeliz. Perdoa-me, folha seca! Meus olhos sem força estão velando e rogando áqueles que não se levantarão... Tu és a folha de outono voante pelo jardim. Deixo-te a minha saudade- a melhor parte de mim. Certa de que tudo é vão. Que tudo é menos que o vento, menos que as folhas do chão


"Cecília Meireles"

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Quero acabar entre rosas



Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar.
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas flebilmente sobre o colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!


"Álvao de Campos (Fernando Pessoa"



segunda-feira, 26 de setembro de 2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

domingo, 11 de setembro de 2011

"Sê paciente"



Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.


"Eugénio de Andrade"

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Bendito seja eu por tudo o que não sei


Bendito seja eu por tudo o que não sei
gozo tudo isso como quem sabe que há o sol


"Fernando Pessoa"

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

sábado, 27 de agosto de 2011

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Giuliano


Chamada para o almoço na Fazenda S.Francisco-Pantanal, Brasil.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

"Crepúsculo"


É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
quando a noite se destaca
da cortina;
quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
quando a força de vontade
ressuscita;
quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
e quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz livida, a palavra
despedida.

"David Mourão Ferreira"

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

domingo, 7 de agosto de 2011

terça-feira, 2 de agosto de 2011

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Pantanal

Pantanal, é um bioma constituído principalmente por uma savana estépica, alagada na sua maior parte, com 250 mil km² de extensão, altitude média de 100 metros, situado no sul de Mato Grosso e no noroeste de Mato Grosso do Sul, ambos Estados do Brasil. considerado pela UNESCO Património Mundial Natural e Reserva da Biosfera.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Mistério do sem-fim


No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta


"Cecília Meireles"

sábado, 16 de julho de 2011

Espelho


Depus a máscara e vi-me ao espelho. –
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,


O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha.


"Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)"

segunda-feira, 11 de julho de 2011

sábado, 2 de julho de 2011

Viajar

Viajar! Perder países!
 
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!
 
Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E da ânsia de o conseguir!
 
Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

"Fernando Pessoa"

domingo, 26 de junho de 2011

quinta-feira, 23 de junho de 2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Liberdade


— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.    


"Miguel Torga"

domingo, 12 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Catedral de Brasilia


Meu gesto que destrói
A mole das formigas,
Tomá-lo-ão elas por de um ser divino;
Mas eu não sou divino para mim.

Assim talvez os deuses
Para si o não sejam,
E só de serem do que nós maiores
Tirem o serem deuses para nós.

Seja qual for o certo,
Mesmo para com esses
Que cremos serem deuses, não sejamos
Inteiros numa fé talvez sem causa. 


Ricardo Reis (Fernando Pessoa)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

"Hoje de manhã saí cedo"



Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...

Não sabia que caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.

Assim tem sido sempre a minha vida, e
Assim quero que possa ser sempre --
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar. 



"Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)"

sexta-feira, 27 de maio de 2011

"De palavra em palavra"


De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.


"Eugénio de Andrade"